A circunstância do Governo é o estudo de caso de um realismo político sonso. Em minoria absoluta, o Governo transforma-se para além do imaginável.
Acada Orçamento o país não se transforma. Sobrestima-se a despesa, subestima-se a receita. E feitas as contas Portugal continua a ser um país de baixos salários e de altos impostos. Os portugueses trabalham seis meses para o Estado e devem ficar agradecidos. Todos os Orçamentos são politicamente de segunda categoria, mas dentro da segunda categoria são sempre de primeira classe. A leitura política de um Orçamento parece a prosa poética intensa que confronta os traumas históricos do atraso e dissipa as fragilidades existenciais de um país à procura de um futuro.
O Orçamento não tem socialismo que chegue para os socialistas, nem Mercado que satisfaça liberais, nem Estado suficiente para os estatista, nem assistencialismo que tranquilize os sociais-democratas, nem radicalismo que entusiasme o arco-íris radical, nem é um Orçamento para o Povo, nem é um Orçamento para os Ricos. No entanto, na confusão de todas as posições políticas no espectro partidário português o Orçamento tem todas estas qualidades e todos estes defeitos. O vício da política portuguesa é considerar sempre o Orçamento como sendo do partido do Governo, logo só pode servir a clientela do partido do Governo. Eis uma visão sectária onde sobra desonestidade intelectual e falta um entendimento global e concreto do país. Todos os partidos sonham em fazer um Orçamento para o seu partido. Até os partidos que estão sempre em minoria absoluta, mas que são os verdadeiros representantes do país perfeito.
Nota: pode ler este conteúdo na íntegra na edição online do ECO de 14 outubro 2024.