Nicolas Tenzer “Os americanos e os europeus foram extraordinariamente hipócritas com a Ucrânia”

Terça-feira, Maio 27, 2025 - 12:02
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Em Lisboa para um seminário na Católica, o académico francês Nicolas Tenzer falou ao DN sobre uma saída dos EUA das negociações entre Rússia e Ucrânia, o papel da Europa e como Putin manipula todos.

Veio a Lisboa dar uma aula aberta sobre a guerra na Ucrânia e a forma como nos fez repensar os principais conceitos das relações internacionais. É justo dizer que o regresso de Donald Trump ao poder marca o fim da ordem mundial que conhecemos desde o final da Segunda Guerra?

De facto, não sei quando acabou essa ordem. Se tivesse mesmo de a datar, diria que foi em 2013 - foi o momento em que Barack Obama se recusou a aplicar na Síria as linhas vermelhas que ele próprio tinha definido. Foi um pouco como um símbolo. Tivemos crimes maciços contra a humanidade e, no final, passaram completamente despercebidos, sem intervenção. Talvez pudéssemos recuar um pouco mais do que isso. A total falta de reação do Ocidente - apesar de ter havido o início de uma reação mas que foi completamente apagada pelo 11 de setembro, na altura dos crimes maciços de Putin na Segunda Guerra da Chechénia, que não podemos esquecer. E temos de recordar os livros de Anna Politkovskaya, que foi assassinada. Boris Nemtsov, que também falou sobre o assunto, foi igualmente assassinado. Tudo isso, de facto, tornou-se insignificante na mente dos líderes. Mas poderíamos falar de 2008, da ausência de intervenção de George W. Bush na Geórgia, quando Putin se apoderou de 20% do território georgiano. Ou de Obama, em 2014, com a anexação da Crimeia. 2015, na Síria, durante o cerco e a queda de Alepo fomos vários, incluindo amigos generais americanos, que queriam impor uma zona de exclusão aérea na Síria. Nada foi feito. E depois de 2022-2025, um despertar mas uma intervenção pouco convicta, agora de Biden. O suficiente para a Ucrânia não perder, mas nunca o suficiente para a Ucrânia ganhar. Uma total falta de estratégia a médio prazo relativamente à Rússia. Uma indiferença pelo crime, porque os americanos poderiam ter salvo dezenas de milhares de civis. Mas recusaram-se a salvar os civis. Não queriam salvá-los. Não foi só “Somos impotentes”, não. E os europeus também. Não vou dizer que foram apenas os americanos. Por isso, para mim, é muito difícil dizer exatamente quando começou a nova ordem mundial. Mas é um longo caminho. E Trump é apenas a continuação. Com uma grande diferença, que é o facto de Trump ter passado para o lado negro da força, por assim dizer. Com Trump há uma forma de conluio ideológico com Putin. Mas, de certa forma, e o que vou dizer pode chocar alguns, mas os americanos e os europeus foram extraordinariamente hipócritas antes. Falaram nos direitos humanos, Biden falou na Aliança para a Democracia, todas essas coisas, “estamos a ajudar a melhorar o terrível sofrimento do povo ucraniano”, etc… E o que é que fizeram? Agora Trump passou completamente para o lado do inimigo. Por outras palavras, há um conluio ideológico entre Trump e Putin. Que não havia com George W. Bush, Obama ou Biden. Portanto, houve uma mudança significativa. E a verdadeira questão, como é óbvio, é o que os europeus vão fazer.

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